Perícias judiciais transfronteiriças entre França e Portugal

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Quando um litígio entre as partes dum processo exige para ser dirimido que sejam resolvidas uma ou várias questões técnicas, o advogado não poderá prescindir de requerer uma perícia judicial. Com efeito, o juiz a quem impende a decisão não pode deixar de ser esclarecido por conhecimentos especializados sobre as problemáticas técnicas subjacentes a prolação da sua sentença. Se no quadro estritamente nacional o recurso a prova pericial é de índole corrente, a questão reveste uma maior complexidade quando a perícia apresenta um caráter transfronteiriço ou internacional.

Assim, um parecer ou um relatório de perito é designado por «transfronteiriço» quando diz respeito a um litígio transnacional. Existem várias situações que podem ser encontradas. Por exemplo, quando uma das partes for estrangeira ou residir no estrangeiro, quando o perito tiver sido nomeado por um tribunal estrangeiro no âmbito de um litígio perante um tribunal estrangeiro, mas as operações de peritagem tiverem lugar parcialmente em território francês ou português, ou quando um tribunal francês o português é obrigado a nomear um perito estrangeiro para executar a totalidade ou parte da missão, quando o objeto do litígio se situar, no todo ou em parte, noutro Estado, o que exige que parte das operações de peritagem seja efetuada no estrangeiro o quando o relatório deva ser utilizado pelo tribunal de outro Estado-Membro. Por último, alguns litígios são de natureza internacional, uma vez que as vítimas de factos litigiosos se encontram em vários Estados.

Na União Europeia, o Regulamento (CE) n.º 1206/2001 pode fornecer um quadro para a realização de uma avaliação pericial num Estado-Membro, a pedido do tribunal de outro Estado-Membro. Em princípio, o pedido do país requerente é apresentado diretamente de tribunal para tribunal. Pode igualmente verificar-se uma «execução direta» da medida de instrução pelo tribunal requerente noutro Estado-Membro. No entanto, na prática, este regulamento quase nunca é aplicado, uma vez que prolonga consideravelmente o tempo necessário as diligências periciais. E, acima de tudo, graças à jurisprudência europeia, o perito pode dirigir-se diretamente a um dos Estados-Membros da EU.

Alias, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu, em 2013 (acórdão ProRail), que um perito pode deslocar-se a outro Estado-Membro da União Europeia para cumprir parte da sua missão, desde que não necessite de recorrer à polícia. Mais precisamente, o Tribunal de Justiça declarou que as disposições do regulamento não deviam ser aplicadas se esta se revelasse mais simples, eficaz e rápida, a menos que a peritagem a realizar fosse suscetível de afetar a autoridade pública do Estado-Membro em que devia ter lugar. Tal pode ser o caso se a medida se destinar a ser realizada em locais relacionados com o exercício da autoridade pública ou em locais aos quais o acesso só é permitido as pessoas autorizadas. Existem, por conseguinte, possibilidades suficientes de realizar perícias transfronteiriças fora do quadro do submencionado regulamento, que se afigura, por conseguinte, quase obsoleto. Consequentemente, no que respeita a um litígio franco-português, as questões mais relevantes no quadro de uma demanda de perícia são relativas a escolha do tribunal competente e se saber se o relatório de um perito francês pode ser "reconhecido" num tribunal português e vice-versa.

O Avogado pode estar perante dois casos processuais. No quadro dum procedimento de mérito, o juiz competente no mérito também é competente para ordenar uma perícia. No caso duma medida de inquérito antes de qualquer julgamento a solução torna-se diferente. Convém efetivamente salientar que para os litígios europeus, o artigo 35.º do Regulamento Bruxelas-I prevê que "As medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado-Membro, mesmo que os tribunais de outro Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa". Neste último caso, o juiz competente para nomear um perito em processos transfronteiriços pode ser determinado a escolha das partes no país do autor ou do réu. No entanto, tem de se ter em atenção que não existe nenhum princípio que exija que um juiz francês reconheça um relatório português, e vice-versa, uma vez que o princípio do reconhecimento das decisões previstas no Regulamento Bruxelas-I não se aplica aos relatórios periciais. Isso por uma boa razão, o relatório já não é vinculativo para o juiz nacional, que continua a ser livre de o apreciar da mesma forma que as outras provas, quer segundo a legislação francesa quer segundo a legislação portuguesa. Assim, não se pode excluir que um relatório elaborado pelo perito português, se os princípios fundamentais que regem a perícia forem respeitados, possa ser reconhecido pelo tribunal francês como meio de prova, cujo valor o juiz será livre de apreciar. Com tudo, parece-nos provável que na esmagadora maioria dos casos um juiz terá uma consideração acrescida para um relatório estabelecido por um perito do seu país, situação que além do mais, elimina a necessidade de tradução, aniquilando de tal molde custos que poderiam vir a ser bastantes dispendiosos. Terá o advogado de privilegiar se for possível, em caso de demanda de perícia a título cautelar, o juiz competente para conhecer do mérito da causa.


​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​Dr. Pedro Emanuel de OLIVEIRA
Advogado

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